Arquivo da categoria: Histórias Gloriosas

A maior defesa de Jefferson

Muito sintomático que o maior ídolo alvinegro no século 21 seja um goleiro.
Um goleiro discreto, nada midiático, sério.
Um goleiro chamado Jefferson.

Em mais de uma década no Botafogo, Jefferson defendeu pênaltis, chutes indefensáveis, cabeceios à queima-roupa, dezenas de lances que a gente só entendia o que ele fez depois de ver o replay.
Jefferson tentou ao máximo ser o que diz nosso hino: ser herói em cada jogo. Inúmeras vezes, mesmo cercado por incompetência e displicência, ele conseguiu.
Em momentos de intensa fragilidade financeira, técnica e até emocional, Jefferson era a estrela solitária a defender a grandeza do Botafogo e a iluminar uma esperança de futuro.
jeff2010
Foi o que conseguiu ao pegar o pênalti de Adriano em 2010: Loco Abreu já havia feito a sua parte, mas faltava alguém segurar o resultado, garantir o título depois de três derrotas consecutivas na final do Carioca (que, pelo grito atravessado na garganta, foi muito mais do que uma decisão estadual).
Mas aquela não foi a maior defesa do nosso goleiro: ao longo de sua carreira no alvinegro, Jefferson nos defendeu de humilhações, da mediocridade, da indigência, da irrelevância. Permaneceu em General Severiano quando estava mais valorizado, titular da Seleção Brasileira, e no momento mais difícil do time, rebaixado para a Série B.
Poderia ter ido embora, seria compreensível, ainda mais sabendo da dívida milionária do clube com o jogador. Mas ele ficou. Para defender a nossa relevância e o entusiasmo de uma nova geração de alvinegros. Para ser o guardião da Estrela que, enfim, voltou a brilhar.
Sua trajetória e seu exemplo, Jefferson, não se encerram em 2018. Continuam com a gente. E vão, por muito tempo, por tempos eternos, nos conduzir. Como fizeram os grandes ídolos do século 20. Garrincha, Nilton Santos, Didi, Amarildo, Heleno de Freitas, Jairzinho, Túlio Maravilha… Agora você está entre eles. Com todo respeito ao Manga, você é o número 1 desse timaço.
Tu és Glorioso, Jefferson.

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Homenagem a Roberto Porto

Um dos maiores jornalistas botafoguenses da história, Roberto Porto, nos deixou. Ele estava com 74 anos.

Vá em paz, mestre. Suas palavras permanecem. Seu exemplo também.

E que, no domingo, no estádio Mané Garrincha, Roberto Porto seja homenageado com um minuto de aplausos pela torcida alvinegra.

Nilton Santos em três atos: Crônica do Pereirão

A última página da Enciclopédia

                                                                             Carlos Pereira

Três passagens inesquecíveis me levam a Nilton Santos que foi se juntar  a Garrincha  e  nos deixou todos  nós, botafoguenses, mais tristes e pesarosos além do futebol brasileiro mais pobre.

A primeira data de 1948 e foi pelo rádio Phillips holandês que meu pai mantinha na sala de estar da modesta casa onde morávamos que ouvi o nome de Santos (naquela época era somente o sobrenome dele que aparecia na escalação) fazer parte do time  campeão carioca: Osvaldo, Gerson e Santos;Rubinho, Ávila e Juvenal; Paraguaio, Geninho, Pirilo, Otávio e Braguinha,  que só não foi campeão invicto porque perdeu na primeira rodada para o São Cristóvão e de 4×0. No  resto passou por cima como se fosse um trator – deu no Vasco, no flamengo, no Fluminense, no América, no Bangu, no Bonsucesso, Madureira, Canto do Rio  e no Olaria. Tinha eu, então, 10 anos e a partir daí se iniciou uma história de amor, paixão, alegria, desilusões, sentimentos intensos – tudo por causa do Botafogo de Futebol  e Regatas.

A segunda aconteceu em 1959, quando concluinte do curso médio no Liceu Paraibano a nossa turma foi contemplada com uma viagem a Minas Gerais, patrocinada pelo então Governador Bias Fortes. De navio de João Pessoa para o Rio, de ônibus do Rio para Belo Horizonte e na volta pelo Rio, o prazer de ver, pela primeira vez, bem de perto, no estadinho de General Severiano, Newton Santos (já com o nome e ainda em inglês) ao lado de Garrincha enfiar uma goleada num dos times pequenos do campeonato carioca – não lembro qual…

A terceira e mais marcante foi a honra que ele me concedeu de fazer a apresentação do seu livro “Minha bola, minha vida”, no dia 30 de outubro de 1998, aqui em João Pessoa numa sala especial do Hotel Tambaú, lotada de botafoguenses e até torcedores de outros clubes, admiradores do futebol daquele que Nelson Rodrigues denominou de “enciclopédia”.

Agora, quando escrevinho estas linhas, me encho de emoção ao ler a sua dedicatória no livro que guardo como verdadeira relíquia: “Ao botafoguense Carlos Pereira, com forte abraço do Nilton Santos”, o  Nilton em bom português.

E ao relembrar tudo isso, choro pelo que o futebol brasileiro perdeu quando Nilton Santos deixou de jogar – ele sim, era craque na acepção melhor que o termo pode contemplar.

E só me resta dizer: Foi escrita a última página e a enciclopédia se  fechou para sempre. Nunca mais haverá um jogador como Santos, Newton ou Nilton.

O céu ganhou mais uma estrela solitária e o Glorioso se quedou mais triste…

Carlos Pereira é jornalista, pai e avô de duas gerações de alvinegros

O passado, o presente e o futuro

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Uma imagem bem representativa da festa de 109 anos do futebol do Botafogo. Excelente a iniciativa de juntar, na mesma mesa, ídolos antigos como Jairzinho, Amarildo, Zagalo e Maurício com promessas como Vitinho, Gilberto e Alex.

Parabéns, Botafogo!

 

 

Uma data muito especial

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Hoje ele faz 88 anos.

Parabéns, Nilton Santos, mais do que um jogador, um craque.

Mais do que um ídolo, um exemplo.

Mais do que um exemplo, uma Enciclopédia do futebol.

Nilton Santos: O homem que ilumina a Estrela.

 

Heleno x Botafogo: O incômodo e a lição

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Antes de mais nada: “Heleno” é um grande filme. Não deixe de ver. Rodrigo Santoro tem atuação assombrosa, a fotografia do mestre (e alvinegro) Walter Carvalho é deslumbrante, o monólogo final é de arrepiar.

(Acho que, a partir de agora, você deveria ler somente depois de ver o filme, pois vou comentar algumas cenas importantes)

Mas… (e na história do Botafogo tem sempre um “mas”, né?), na modesta opinião deste alvinegro, falta mais Botafogo em “Heleno”. Consequentemente, falta mais Heleno em “Heleno”.

Acho que houve excesso de zelo dos produtores e do diretor, assumidamente com medo de afugentar o público feminino e os torcedores de outras bandeiras. Ficaram tão receosos de a imprensa e o público rotularem “Heleno” como um filme de futebol que fizeram um filme sobre um ídolo de futebol com pouquíssimas cenas de… futebol. Em especial, do que há de mais apaixonante no futebol: a glória do gol. Que foi a maior glória do verdadeiro Heleno com a camisa alvinegra.

Basta dizer que a namorada latina (colombiana? argentina? uruguaya?) do jogador tem direito a três, quatro números musicais. Já o melhor do jogador Heleno é resumido a uma partida, contra os grenás, no início, e contra os urubus, no fim. Sua derrocada, porém, está minuciosamente narrada – e, da forma com que a história é conduzida, dirigentes e jogadores alvinegros desempenham papéis antagônicos ao do protagonista. Como se Heleno não fosse o Botafogo, como ele mesmo diz, e demonstra, na já famosa cena do esporro no vestiário que acaba com o jogador cantando o hino, essa sim, uma cena que já nasce antológica, de lavar a alma do torcedor da Estrela Solitária e de exibição obrigatória antes de qualquer decisão.

Na sessão que assisti na noite de sábado em Brasília, quase lotada, um encontro cordial (outros três alvinegros foram ao cinema com a camisa oficial) e um incômodo inesperado: risadas debochadas de torcedores de outros clubes, e da plateia em geral, quando o técnico diz que o Botafogo “está cansado de ser vice-campeão” e quando Heleno espinafra as manias de superstição do time.

Acho que aí está resumido o motivo do meu incômodo: ver, na tela do cinema, o eterno embate entre o Botafogo Glorioso e o Botafogo Patético, ou que os outros consideram Patético, como vocês preferirem. Não esperava que essa contenda fosse mostrada em “Heleno”, ainda que de forma enviesada. Não esperava que “Heleno”, enfim, enxergasse o Botafogo como seu adversário.

Encerrada a sessão, porém, o incômodo vai se dissipando. Prevalece o orgulho de ter tido um jogador com tamanha personalidade e carisma defendendo apaixonadamente as cores do meu time – e olha que ele nem é um dos cinco maiores ídolos do clube. Renasce a esperança de que o binômio “glórias e títulos” não seja tão amargamente assimétrico, como foi no caso da trajetória de Heleno no Botafogo.

 

E, ao ver nos créditos as fotos do verdadeiro Heleno, o espírito alvinegro volta a ficar impregnado, acima de tudo, da lição de amor à camisa, da demonstração de amor ao clube, de inconformismo diante da mediocridade, da acomodação, do apequenamento, do cruzamento errado, da derrota, do empate.

O melhor de Heleno está na sua avassaladora paixão pelo futebol quando o futebol era sinônimo de Botafogo. E essa paixão, com filme ou sem filme, com deboche ou sem deboche, tem dono: ela nos pertence.

E sempre nos pertencerá.

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Obrigado, Heleno de Freitas.

Você não foi.

Você é.

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PS: Mais fotos históricas, do arquivo da revista O Cruzeiro, e uma longa reportagem sobre a glória e o drama do verdadeiro Heleno de Freitas na seção “Especiais” do site: http://www.mg.superesportes.com.br

A culpa é minha: uma crônica alvinegra

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Desde que, por motivos profissionais, passei a freqüentar assiduamente a ponte aérea Belo Horizonte-Brasília, tenho como companheiro inseparável um radinho de pilha (R$19,90), hábito adquirido na infância após os devidos ensinamentos do cronista titular desse blog, o Pereirão. Alguns minutos antes, ligo na CBN Rio para acompanhar o pré-jogo — e, no intervalo, gosto de ouvir o Evaldo José gritando “Que lindo!” e de prestar atenção nos comentários, tão pertinentes quanto mal-humorados, do Alvaro Oliveira Filho. Toda semana, o radinho vai e vem na minha mochila; certamente já acumulou mais milhagens do que o Lula em tempos presidenciais.

No ano passado, durante o Brasileirão, deixei o rádio em BH apenas uma única vez — naquele fatídico jogo contra o São Paulo, no Engenhão. Resultado: o Loco perdeu o gol mais feito da história pré-Deivid, o São Paulo empatou naquele lance dos 500 anos (Rogério Ceni para Rivaldo) e a gente reviveu aquele gosto tão familiar de guarda-chuva.

Foi o primeiro sinal  — e eu o ignorei.

Supersticioso que sou-e-tento-não-ser, pensei no que poderia ter sido alterado na rotina e lembrei a ausência do meu amigo invisível. Jurei que nunca mais falharia na tarefa de carregá-lo comigo — o Botafogo, sim, falharia seguidas vezes, mas com Caio Jr colocando a culpa na torcida e a estranhíssima entregada na reta final, não havia simpatia que resolvesse o nosso problema.

Muito bem: começa a temporada 2012 ao mesmo tempo que retomo, devidamente acompanhado pelo radinho, as viagens semanais. Mas o meu companheiro passou a emitir sinais de fraqueza, tipo Elkeson no segundo tempo (ou Lucio Flavio o tempo inteiro). Nem com pilhas alcalinas foi possível reanimá-lo. Meio a contragosto, tive que comprar outro. E isso aconteceu justo na última quinta-feira.

O novo rádio (R$29,90) é bem mais potente, som ótimo, dá até para ouvir com o chuveiro ligado sem precisar fechar a torneira. E foi com esse rádio, novinho em folha, que escutei atentamente o pré-jogo (o Botafogo ganhou de 7×4 na escalação ideal dos especialistas da rádio, entre eles um Dejair se declarando alvinegro e um Valber bem alegrinho) e, depois que deu um pau no link do computador ( é dura a vida de quem não tem PFC disponível o tempo inteiro e por isso, é surpreendido ao se deparar, em vez de vasco x flamengo, com América-MG x Nacional de Nova Serrana ), tive que acompanhar os penais na base do som. Sim, meus amigos: sem imagem.

Quando o juiz apitou o fim do tempo regulamentar, eu só pensava em duas coisas: no confronto Cavallieri x Loco no Brasileirão e no meu velho rádio. Tentei ressuscitá-lo, e ele (o rádio, não o Loco) até deu lampejos de vida: aquele foi o segundo sinal. Mas eu, de novo o preteri. Pior: decidi chutar a superstição para o alto, como se fosse um pênalti cobrado pelo Elano. Voltei ao novo radinho e liguei no volume máximo, pronto para berrar “Fogo!”: seria um grito que acordaria não só o hotel, mas a vizinhança inteira, forte o suficiente para rasgar o silêncio na Savassi e acordar até o fantasma de Tancredo no Palácio da Liberdade.

Bem, o resto da história eu e todos botafoguenses já sabemos — menos o Oswaldo, a julgar pela alucinada entrevista pós-jogo na qual enxergou uma superioridade alvinegra: o grito virou silêncio. Tivemos mais uma noite maldormida e um dia de ressaca. Para os botafoguenses, a quarta-feira de cinzas caiu na sexta.Dessa vez, porém, a culpa não foi das vaias da torcida do Bonsucesso, das camisas esquisitas do Oswaldo, da falta de pernas do Loco, da falta de pontaria do Herrera, da falta de neurônios do Márcio Azevedo.

A culpa é toda minha. Mas, de hoje em diante, nada será como antes: todo dia de jogo do Botafogo, em qualquer direção que eu estiver, mesmo tecnicamente morto, meu radinho combalido mas pé-quente continuará me acompanhando.

Meu rádio, cinza e prata por fora e alvinegro por dentro, é o verdadeiro, o autêntico, o único talismã.

Uma leitura para a semana

A seguir, o grande cronista alvinegro Arthur Dapieve conta, em carta ao vascaíno Aldir Blanc, como se tornou botafoguense e reflete sobre a paixão pelo futebol. Imperdível.

E, diga vocês, como foi que a Estrela Solitária apareceu na sua vida?

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O futebol como recreio

por Arthur Dapieve

(do site do Instituto Moreira Salles, http://www.imb.com.br,em troca de correspondência de Dapieve com o compositor e escritor vascaíno Aldir Blanc)

Grande Guru,

Temos mais isso em comum: um pai vascaíno. Só que o meu abriu mão do direito de escolher o time do filho. Estávamos no Maracanãzinho para ver um circo, lá por 1967 ou 1968. Poderia ser o de Moscou, em plena ditadura? Não sei, mas na minha memória é o de Moscou, sim. Passou o vendedor de bandeirinhas na arquibancada, com a de todos os grandes clubes, e meu pai me disse: “Escolha a bandeira que quiser”. Eu, em eterno flerte com o desastre (copyright by Elvis Costello), hesitei entre a do Botafogo e a do América. Ou seja, entre a esfinge alvinegra, sem letras ou dizeres, e o pavilhão encarnado, de profundas implicações políticas. Decidi-me pela bandeira do Botafogo.

Aos quatro ou cinco anos de idade, eu não tinha a menor ideia de que, naqueles tempos, o time representado por aquela bandeira era o bicampeão da cidade, graças a um timaço com Jairzinho, Gerson, Paulo César, Roberto, Rogério, Zequinha… Nem, muito menos, que pouco antes o Botafogo tinha tido outro timaço bicampeão carioca, com Garrincha, Nilton Santos, Didi, Amarildo, Quarentinha, Zagalo… Ou seja: eu comprei a bandeira com a Estrela Solitária e ganhei de brinde a história gloriosa – e muito sofrimento pelos vinte e um anos seguintes, até o Maurício jogar bola e Leonardo gol adentro, em 1989.

As décadas de 70 e 80 foram duras para os botafoguenses. Como alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo, fui muito ao Maracanã ver jogos do América contra aquele outro time, sabe, aquele do qual a gente evita pronunciar o nome. Era uma fase em que o pessoal de Campos Sales ganhava todas, fácil. Ficava aquela massa silenciosa lá na arquibancada à esquerda das cabines de rádio, ficava o punhado de torcedores do América happy few cá na arquibancada à direita das cabines de rádio. Eu descia a rampa gritando “Saanguê! Saaanguê! Saaaanguê!” junto com essa galera de camisa vermelha.

Porém, enquanto eu era criança, não era o meu pai quem me levava ao Maracanã, mas sim um tio paraibano, torcedor do Fluminense e do Náutico. (Por causa disso, tenho grande simpatia pelo Timbu.) A generosidade de me permitir escolher o time que eu quisesse tinha raízes profundas na psiquê do meu pai. Garoto, ele tinha sido uma das 200 mil pessoas traumatizadas no Maracanã pela final da Copa de 1950, contra o Uruguai. Meu avô levara a família, que presenciara o clima de já-ganhou e a inesperada derrota, covardemente debitada na conta do nosso goleiro negro, Barbosa, que, aliás, jogava no Vasco. O Maracanazo levou o meu pai a passar uns bons (ou maus) trinta anos sem pôr os pés no “maior do mundo”. Ele é Vasco, ainda hoje, lá em Belo Horizonte, mas nunca se interessou por futebol como eu e você nos interessamos.

Quem tem uma bela definição de por que esse esporte mexe tão visceralmente com gente como a gente é o Verissimo. Ele diz que o futebol é a única maneira de aos 60 anos se sentir como se tivesse 6 anos de idade. Bingo! Ninguém precisa ir à escola para ter a sensação arrepiante de que sacaneará ou será sacaneado pelos amiguinhos na hora do recreio. Na hora em que a bola rola, meu amigo, é sempre recreio na nossa cabeça.

Não tenho certeza sobre qual era o time do meu avô paterno (o do materno, um português eu sei, era São Cristóvão). Acredito que ele também fosse Vasco, time de imigrantes, mesmo os italianos do Rio. Depois do Maracanazo e da mudança da família para Barbacena, ele tomou uma atitude ainda mais radical que o filho em relação àquilo que o Aldo Rebello deve querer voltar a tratar por ludopédio: apitou algumas partidas de futebol amador pelo interior de Minas Gerais. É preciso odiar profundamente o balípodo (além da própria mãe, uma ex-governanta suíça que não conheci) para ser árbitro.

Outro dia, meu amigo Tárik de Souza me trouxe de Montevidéu um CD duplo, com a narração da final de 1950 numa rádio uruguaia. O sujeito do microfone se surpreende com a vitória da Celeste tanto quanto a multidão. Dá para ficar comovido com a emoção dele. E também dá, juro, para escutar o silêncio no resto do estádio. Sempre achei essa expressão um oxímoro cafona, “escutar o silêncio”, argh, mas ali funciona.

Naquele tempo, você sabe, usávamos camisas brancas com detalhes em azul, logo aposentadas pelos supersticiosos. Fizeram um concurso para escolher a nova roupa da seleção brasileira. Os jornalistas do júri, entre eles o Armando Nogueira, consultaram o DNER para saber qual cor se fazia mais presente à noite, essencial num tempo de iluminações precárias. Souberam, então, que era o amarelo. E combinaram que escolheriam a camisa na qual preponderasse essa cor. O prêmio foi para um jovem gaúcho, xará seu, Aldyr Garcia Schlee, com quem eu mantenho outra correspondência honrosa, embora menos assídua que a nossa. Se hoje a gente fala na “amarelinha”, devemos ao Schlee, que também é escritor. E dos bons.

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Aproveite a caixa de comentários e conte: como é que você se tornou botafoguense?

Uma voz, muitas vidas

A morte de Luiz Mendes é um duro golpe para todos nós botafoguenses que, inconscientemente, acreditamos na imortalidade. Que achamos que sempre vimos o Botafogo jogar e que veremos o Botafogo em campo até depois do fim dos tempos. Até mesmo depois que a gente não estiver mais por aqui.

Sua voz, límpida e segura, acompanhou minha infância, adolescência, a vida adulta, agora a chegada da meia-idade. A cada semana, ouvir Mendes era esquecer a dureza concreta do cotidiano (da escola, do vestibular, da faculdade, do trabalho) e mergulhar num universo de lembranças e de esperanças – porque, aprendi isso desde cedo com o Pereirão, o rádio tem essa capacidade única: nos leva para outros lugares, outros tempos, outras vidas – inclusive as que a gente não viveu.

Por meio das lembranças de Luiz Mendes, eu vi o que eu não pude ver: vi Nilton Santos avançar, vi Garrincha driblar, vi Paulo Cesar Caju provocar, vi  Jairzinho comemorar, vi, enfim,  o mais glorioso Botafogo brilhar.

Não só isso, claro. Com menos emoção mas igual admiração, me encantei ao vê-lo relembrar os grandes jogos das mais inesquecíveis Copas do Mundo,  um Brasil que realmente tinha amor à camisa, um Brasil que dava orgulho, um Brasil pelo qual valia a pena torcer.

E, mais, é na serenidade de sábios como Luiz Mendes que me espelho para tentar entender o motivo de tanta paixão, tanto sofrimento, tanta ansiedade, tanta emoção pelo destino de um time. Um destino em que nada posso interferir, em que sou refém de pés, mãos, corações, cérebros e apitos alheios.

Ainda não consegui. Mas, por conta do exemplo do Luiz Mendes e de outros grandes alvinegros que carrego nas lembranças, no sangue e no coração, eu continuarei tentando. Um dia chegarei lá.

Enquanto isso, só tenho mais uma coisa a dizer:

Obrigado, muito obrigado, Luiz Mendes, por me ajudar a conhecer e a escrever a minha história.

Uma imagem gloriosa

Parabéns à diretoria do Botafogo pela iniciativa de levar Nilton Santos a fazer uma visita aos jogadores e a General Severiano antes da viagem a São Paulo.

Um encontro como esse vale mais do que mil palavras motivacionais.

 

O “projeto” Jefferson

Depois de Jefferson pegar o pênalti que possibilitou ao Brasil vencer o México, o Galvão Bueno afirma:”É o projeto de um grande goleiro”.

Vale lembrar que o locutor é o mesmo que, na Copa da Alemanha, contava que saía para jantar com Julio Cesar e sua sra., Suzana Werner. Óbvio, portanto, que ele não quer ninguém fazendo sombra ao amigão e, no que depender dele, vai elogiar o Jefferson sempre de forma comedida – ao contrário, por exemplo, da narração alucinadamente ufanista para o gol de falta do Ronaldinho.

Galvão Bueno e seus projetos de grande interesse pessoal.

Ainda bem que, nesse caso, os projetos do Mano Menezes não são exatamente iguais ao do narrador global.

 

uma noite alvinegra em belém

Não tem jeito: quando o Brasil precisa ganhar título, mesmo que seja uma copa mequetrefe, tem que recorrer ao Botafogo.

Que o Jefferson iria fazer uma grande partida, ninguém duvidava – mais três defesaças para o DVD com suas melhores defesas. E, que fique registrado, ele é o único goleiro titular da Seleção Brasileira que nunca tomou um gol. Está invicto – e enfrentou duas vezes a Argentina.

Mas a grande surpresa da noite foi a desenvoltura do Cortez. Sem medo de ser feliz, jogou solto e saiu consagrado. Resultado: foi apontado, ao lado do Lucas, como o melhor em campo. Dos pés dele nasceram as jogadas dos dois gols do Brasil. E veio a consagração: a torcida paraense gritando “Cortez, Cortez, Cortez” na hora da substituição do lateral. “Fiquei bem à vontade”, disse o nosso lateral. Deu para perceber…

Agora seria bacana ver o Cortez entregar a camisa do jogo para o Nilton Santos. Porque nosso time tem história e sabe valorizá-la. Foi, é e sempre será a mais gloriosa das histórias.

heleno vem aí

Acima, uma das primeiras imagens divulgadas do filme “Heleno”, que conta a trajetória de um dos ídolos alvinegros, interpretado pelo vascaíno Rodrigo Santoro.

O filme foi exibido pela primeira vez essa semana no Festival de Toronto, no Canadá.

Quem viu disse que há fartas doses de história botafoguense na tela.

A fotografia é de um craque: Walter Carvalho, que, claro, é alvinegro e, por isso, especialista em preto e branco.

E, sem patrocínio para poluir, que camisa linda, hein?

 

 

Histórias gloriosas: A Crônica do Pereirão

 

  O Botafogo de todos  os tempos

C. Pereira

            Selecionei, não ao acaso, algumas formações do Botafogo de Futebol e Regatas que se tornaram marcantes na história do clube ao longo de toda a sua existência. É’ uma tentativa de remontar, junto aos torcedores alvinegros, os times que fizeram sucesso, principalmente na conquista de títulos que se inscreveram como dos mais importantes na galeria de troféus de General Severiano.

É um exercício de cidadania botafoguense, posto à disposição de todas as faixas etárias, ou seja, dos nove aos noventa anos. Os mais velhos (como eu) certamente se recordarão das primeiras e os mais jovens (como meus filhos e netos) têm firmes  a lembrança das mais recentes.

Como homenagem aos 107 anos do Glorioso, destaco nesta crônica, o extraordinário time  campeão carioca de 1948 que só não conquistou o título invictamente porque (ironia do destino) foi derrotado, logo na primeira rodada, pelo modesto São Cristóvão, pelo contundente placar de 4×0.

O jogo final do campeonato, contra o Vasco,  se deu no dia 12 de dezembro no acanhado estádio de General Severiano – lá estavam espremidos mais de 20 mil torcedores, 90 por cento botafoguenses que, ao final,  cantaram a vitória do Glorioso por 3×1. Tinha eu 10 anos e ouvi o jogo no rádio Phillips holandês, de válvulas, na sala de jantar da casa de um primo, tão alvinegro quanto eu – aqui em João Pessoa. Eaquele time, campeão de 1948, ficou inesquecível: Osvaldo, Gerson e Nilton Santos; Rubinho, Ávila e Juvenal; Paraguaio, Geninho, Pirilo, Otávio e Braguinha.

Os gols alvinegros foram marcados por Paraguaio, Braguinha e Otávio e essa partida que fez parte da última rodada do campeonato (jogado em dois turnos, em pontos corridos), ficou conhecida como a final “pé-de-mico” pois, segundo comentários que acabaram virando lenda, o Botafogo tomou “todas as providências” para vencer o jogo, inclusive algumas consideradas fora de campo.

Começou com a entrada em campo, junto com o time, do lendário Presidente Carlito Rocha que, naturalmente, se fez acompanhar de Biriba, o cãozinho mascote do clube, figura impar  que marcou época no futebol carioca.

Diz-se, também, que o vestiário do vasco foi pintado, na manhã do jogo, com cal virgem (nada de gás-pimenta, coisa da modernidade química!), para provocar ardência nos olhos dos jogadores. Afirma-se, também, que ao entrar em campo, a equipe do vasco foi “saudada” com uma chuva não de pó-de-arroz (coisa de tricolor!), mas de pó-de-mico que, como se sabe, dá uma coceira danada…

Para concluir esse relato sobre  as providências “extra-campo”, falou-se naquele tempo que um espião alvinegro teria colocado, no intervalo do jogo, um providencial sonífero na água e no café dos jogadores vascaínos.

Mas essas alegações (ou aleivosias dos vencidos )  jamais foram comprovadas  e, certamente, eram tentativas de explicar a derrota do vasco, criadas pelo presidente de então que, registra a história, não era ainda o sr. Eurico Miranda.

E aquele time de 1948 que ficou eternamente marcado na história do Botafogo, ainda hoje é lembrado de cor por muitos que – como eu – já torciam à época pelo Glorioso: Oswaldo, Gerson e Nilton Santos; Rubinho, Ávila e Juvenal; Paraguaio, Geninho, Pirilo, Otávio e Braguinha.

C.Pereira é pai e avô, jornalista e alvinegro, não necessariamente nessa ordem…

E, de antemão, para ele e todos os pais e avôs botafoguenses, um domingo glorioso!

 

 

 

 

 

 

 

Botafogo 4 x 0 Vasco… em 1968! A volta da Crônica do Pereirão

A grande festa do Botafogo  de 1968 (*)

C. Pereira

                       Um dos melhores times que o Botafogo de Futebol e Regatas já teve, nos últimos 60 anos, foi sem dúvida o que conquistou o campeonato carioca de 1968. Embora fossem anos de chumbo, em razão do golpe militar que implantou uma ditadura sanguinária no país, os anos sessenta foram talvez os mais vitoriosos do Botafogo.

O Glorioso da estrela solitária que rivalizava com o Santos de Pelé, em ceder mais jogadores para a seleção brasileira – campeã em 1958, na Suécia e bi, no Chile, tinha – entre outros – craques (na acepção do termo) como Newton Santos (naquela época  era assim escrito!), Garrincha, Didi, Amarildo, Zagalo, Quarentinha, Jairzinho, Carlos Roberto, Manga, Paulo César e  tantos outros que fica até difícil enumerá-los.

Na decisão do certame carioca de 1968 num inesquecível jogo, realizado  em 9 de junho num Maracanã lotado, com quase 160 mil espectadores, o Botafogo enfiou uma goleada histórica no Vasco da Gama. O placar foi de 4×0, com direito a show de bola e olé no final.

Os gols foram marcados por Roberto, Jairzinho, Rogério e Gerson e aquele time vencedor jogou com Cão, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gerson; Rogério, Jairzinho, Roberto e Paulo César.

Estive presente nas arquibancadas, espremido no meio da torcida botafoguense que, nesse domingo, era bem maior do que a do vasco da gama. E sobre esse jogo, guardo duas lembranças interessantes:

1 – O mais difícil foi chegar ao Maracanã. Eu estava morando no Rio há pouco mais de um mês e resolvi aceitar a carona que me ofereceu  Celeste,   botafoguense autêntica e destemida que, com o seu Volks do ano, se enrolou toda no caminho do estádio, procurando a rua  Jorge Rudge (será que é este mesmo o nome da via?)  para estacionar e quase perdemos o começo do jogo.

2 – Depois da estonteante vitória, de volta pra casa não nos perdemos (ninguém se perde na volta, já disse o poeta!).  Foi fácil e agradável  acompanhar a enorme carreata alvinegra que nos levou diretos para o Canecão (vizinho à sede do clube) onde rolou a festa do título que entrou pela noite e varou a madrugada. Milhares de torcedores cantaram, beberam e dançaram, ao som do melhor samba puxado pela incrível Beth Carvalho (naquele tempo bem  mais magra!). De hora em hora, o samba parava e, emocionados, todos de pé entoavam o hino do Botafogo, numa atitude de respeito e reverência somente igualados aos que ouvem o Hino Nacional em dias de jogos da Copa do Mundo.

A festa e aquele time de 1968, para mim,  se tornaram inesquecíveis.

(*) Crônica escrita em uma segunda-feira de agosto de 2011, um dia depois da extraordinária vitória sobre o vasco, minha homenagem ao querido Botafogo – em 48, em 68, em 89, em 95 e por todos os anos e séculos!