Antes de mais nada: “Heleno” é um grande filme. Não deixe de ver. Rodrigo Santoro tem atuação assombrosa, a fotografia do mestre (e alvinegro) Walter Carvalho é deslumbrante, o monólogo final é de arrepiar.
(Acho que, a partir de agora, você deveria ler somente depois de ver o filme, pois vou comentar algumas cenas importantes)
Mas… (e na história do Botafogo tem sempre um “mas”, né?), na modesta opinião deste alvinegro, falta mais Botafogo em “Heleno”. Consequentemente, falta mais Heleno em “Heleno”.
Acho que houve excesso de zelo dos produtores e do diretor, assumidamente com medo de afugentar o público feminino e os torcedores de outras bandeiras. Ficaram tão receosos de a imprensa e o público rotularem “Heleno” como um filme de futebol que fizeram um filme sobre um ídolo de futebol com pouquíssimas cenas de… futebol. Em especial, do que há de mais apaixonante no futebol: a glória do gol. Que foi a maior glória do verdadeiro Heleno com a camisa alvinegra.
Basta dizer que a namorada latina (colombiana? argentina? uruguaya?) do jogador tem direito a três, quatro números musicais. Já o melhor do jogador Heleno é resumido a uma partida, contra os grenás, no início, e contra os urubus, no fim. Sua derrocada, porém, está minuciosamente narrada – e, da forma com que a história é conduzida, dirigentes e jogadores alvinegros desempenham papéis antagônicos ao do protagonista. Como se Heleno não fosse o Botafogo, como ele mesmo diz, e demonstra, na já famosa cena do esporro no vestiário que acaba com o jogador cantando o hino, essa sim, uma cena que já nasce antológica, de lavar a alma do torcedor da Estrela Solitária e de exibição obrigatória antes de qualquer decisão.
Na sessão que assisti na noite de sábado em Brasília, quase lotada, um encontro cordial (outros três alvinegros foram ao cinema com a camisa oficial) e um incômodo inesperado: risadas debochadas de torcedores de outros clubes, e da plateia em geral, quando o técnico diz que o Botafogo “está cansado de ser vice-campeão” e quando Heleno espinafra as manias de superstição do time.
Acho que aí está resumido o motivo do meu incômodo: ver, na tela do cinema, o eterno embate entre o Botafogo Glorioso e o Botafogo Patético, ou que os outros consideram Patético, como vocês preferirem. Não esperava que essa contenda fosse mostrada em “Heleno”, ainda que de forma enviesada. Não esperava que “Heleno”, enfim, enxergasse o Botafogo como seu adversário.
Encerrada a sessão, porém, o incômodo vai se dissipando. Prevalece o orgulho de ter tido um jogador com tamanha personalidade e carisma defendendo apaixonadamente as cores do meu time – e olha que ele nem é um dos cinco maiores ídolos do clube. Renasce a esperança de que o binômio “glórias e títulos” não seja tão amargamente assimétrico, como foi no caso da trajetória de Heleno no Botafogo.
E, ao ver nos créditos as fotos do verdadeiro Heleno, o espírito alvinegro volta a ficar impregnado, acima de tudo, da lição de amor à camisa, da demonstração de amor ao clube, de inconformismo diante da mediocridade, da acomodação, do apequenamento, do cruzamento errado, da derrota, do empate.
O melhor de Heleno está na sua avassaladora paixão pelo futebol quando o futebol era sinônimo de Botafogo. E essa paixão, com filme ou sem filme, com deboche ou sem deboche, tem dono: ela nos pertence.
E sempre nos pertencerá.
Obrigado, Heleno de Freitas.
Você não foi.
Você é.
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PS: Mais fotos históricas, do arquivo da revista O Cruzeiro, e uma longa reportagem sobre a glória e o drama do verdadeiro Heleno de Freitas na seção “Especiais” do site: http://www.mg.superesportes.com.br