“Botafoguense é assim, ciclotímico”

Texto irrepreensível do cronista alvinegro Arthur Dapieve, publicado na edição de ontem de  O Globo. Eu assino embaixo:

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O ano Seedorf

Eis o que aconteceu no futebol em 2012: o Fluminense foi campeão carioca e brasileiro; o Palmeiras, da Copa do Brasil; o Corinthians, da Libertadores das Américas. Parabéns a todos. Agora, ao que me interessa: o Botafogo. Escrever sobre ele ao final de cada temporada é um ato de resistência ao oba-oba criado em torno dos clubes que concentram quase metade dos torcedores do país: Flamengo, Corinthians e São Paulo.

Democracia não é apenas dar espaço à maioria, lembro, mas também respeitar as minorias. Se você faz parte de uma minoria (como a torcida do Fluminense) e seu clube não conquistou dois títulos nacionais nos últimos três anos (diferentemente do guerreiro tricolor das Laranjeiras), entende o que digo. Se você faz parte de uma minoria cujo último título nacional é de 1995, vive o que digo. Não escrevo, porém, para me queixar.

O rótulo de “time do chororô” que querem nos colar segue a lógica do bullying: “Seja assaltado e não ouse prestar queixa, maricas.” Na boa entrevista a Arnaldo Bloch, no GLOBO de domingo passado, Clarence Seedorf disse: “Quem chora tem coragem, e um atleta deve descarregar a sua dor. O Botafogo foi um dos grandes produtores de talentos de uma geração de seleções que ganhou muitos títulos mundiais. É um patrimônio brasileiro importante e não merece ser tratado dessa maneira e nem se tratar mal a si próprio. Os jornalistas botafoguenses não são nada bonzinhos com o time.”

Concordo integralmente com o craque. Inclusive que somos chatos pra cacete, porque já nascemos sabendo das glórias que ele mesmo menciona. Em homenagem a Seedorf, então, hoje vou alistar os pontos positivos do nosso 2012, que acabou semanas atrás. Vou contar até dez para não mencionar a fragilidade do sistema defensivo, a carência de laterais, a falta de opções no ataque, a displicência da equipe na hora H, a profusão de gols tomados nos últimos minutos, o técnico refém da própria teimosia … Não, não vou mencionar nada disso.

O primeiro ponto positivo, naturalmente, foi a contratação do próprio Seedorf. Não só pela classe demonstrada nos gramados por este que é “um dos maiores meio-campistas da História” (palavras insuspeitas de Júnior, ex-jogador e comentarista da Rede Globo), mas também pelo nível de profissionalismo que o holandês trouxe para General Severiano e para todo o futebol brasileiro. Agora, a garotada boleira tem outro modelo a seguir além do baladeiro que torra o seu talento em mulher e cachaça. Um craque veterano que não fuma, não bebe, dorme cedo e tem barriga de tanquinho.

É fascinante como Seedorf faz o futebol parecer um troço fácil, ao solucionar problemas numa fração de segundo, com passes ou arremates lúcidos e elegantes. Se dizemos que jogador ruim complica um lance, podemos dizer que craque descomplica o jogo. Fora dele, atrai atenção para o clube que defende. Semana passada, especulando sobre os possíveis destinos de David Beckham, o tabloide londrino “The Sun” pôs o Botafogo entre eles. Não é verdade, claro, mas importa é que, graças a Seedorf, o clube voltou a fazer parte do mapa-múndi do futebol. Falta confirmar em campo.

O segundo ponto positivo no ano alvinegro, ponto que eu coloco quase no mesmo nível da vinda de Seedorf do Milan, foi a contratação de Nicolás Lodeiro ao Ajax. Ela desmentiu o papo de que o Brasil seria destino apenas para estrangeiros em fim de carreira. Se o holandês tem 36 anos, o uruguaio tem 23. Eleito melhor jogador do Mundial Sub-20 de 2009, ele ainda é um jogador em construção. Muito habilidoso e veloz, movimenta-se bem pelas pontas e, como não foge aos seus, luta o tempo todo.

O terceiro ponto positivo é que, pela primeira vez em uma ou duas décadas de descaso, o Botafogo revelou jogadores capazes de subir da base ao time principal com qualidade técnica e identificação alvinegra (e isso faz uma diferença danada): Dória, Gabriel, Jadson, Lucas Zen, Cidinho, Sassá, Vitinho, o goleiro Renan… Se se resolver a confusão jurídica que impede o artilheiro Bruno Mendes, de 18 anos, de exercer sua profissão no Rio, e mantido Lodeiro, já há uma espinha dorsal para o futuro imediato.

Justiça seja feita, esse mérito deve ser dividido entre a diretoria, que nutriu os garotos, e o técnico Oswaldo de Oliveira, que os escalou. Assim, ele se redimiu em parte de suas estranhas indicações para contratação: só Fellype Gabriel aprovou, e com ressalvas; Rafael Marques nem foi escalado à vera; e Vítor Júnior se perdeu na noite.

Quanto à permanência do próprio Oswaldo no comando da equipe em 2013, tenho sentimentos contraditórios. Parte de mim acha o seu trabalho tão ruim que o técnico deveria voltar para o Japão, parte de mim acha o seu trabalho tão bom que o técnico merecia uma chance na seleção. Botafoguense é assim, ciclotímico.

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Uma resposta para ““Botafoguense é assim, ciclotímico”

  1. Voltando pro Japão
    Ou servindo à seleção,
    Fica fora do Fogão.

    Também tenho esse sentimento “contraditório”, kkkkkkkk.

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