“Mas que aperreio!”: Um jogo no Ricão

Quem duvida da força do Botafogo fora do Rio de Janeiro deveria dar uma chegadinha em dia de jogo alvinegro na Rua Tito Silva, número 466, bairro do Miramar, João Pessoa.

É lá que se reúnem os botafoguenses da capital paraibana da Torcida do Ricão, eventualmente reforçados por presenças de outros estados – como foi o meu caso no último sábado.

O Ricão que dá nome à torcida montou nos fundos da própria casa um verdadeiro templo alvinegro – Estrelas Solitárias nas paredes e nas toalhas das mesas, Pato Donald pintados por todos os lados, mais frases que não deixam dúvidas do clube do coração do dono da residência. 

Dá pra assistir as partidas de cadeira (nas mesas) e também de arquibancada – sim, há inclusive arquibancadas frontais para o telão alvinegro (parede branca, fundo preto). Paga-se R$ 2 pra entrar e participar do bingo que rola no intervalo, com as cartelas marcadas com grãos de milho e que logo descobri que teriam outras utilidades durante a partida.

Aos poucos, os torcedores vão chegando. Quase todos se conhecem e o clima é de fraterna camaradagem – um grupo de amigos aqui, alguns de cabeça branca nas mesas da frente, um casal de namorados do lado, crianças, adolescentes, vovôs e meninas. Detalhe: 90% deles vestem a camisa alvinegra. Vão para o Ricão como se fossem ao Engenhão.

Os lépidos garçons, todos de amarelo, recebem o apelido de “canarinhos”. Trazem cerveja e refri pra acompanhar os espetinhos que são preparados ali mesmo e ajudam a passar o tempo antes do início da partida.

Bola rolando no Engenhão, emoções à flor da pele no Ricão.

Aos 3minutos, o goleiro vitoriano rebate e começam os gritos de “Fooogo, Foogo”. Meu vizinho de mesa acende o primeiro cigarro e amassa a carteira.

Close nos jogadores adversários. Um xinga o genérico rubro-negro: “Sai daí, urubuzada do c***!”. Outro se surpreende: “Ramon ainda tá vivo?”. Metade dos presentes levanta e faz “uhhhh” quando Danny Moraes cabeceia rente à trave. Outros dão risadas quando o comentarista Paulo Cesar Vasconcelos constata, aos 23minutos: “Até o momento Lucio Flavio não conseguiu aparecer”.   Já Luiz Carlos Júnior, o locutor do SporTV. é devidamente “homenageado” quando lembra que o Botafogo vem de uma sequÊncia de 8 empates: “Tua mãe vai bem, vai?”

O Botafogo cai de produção e meu vizinho apaga o cigarro e tira um cochilo. “O Botafogo parou de jogar”, comenta PC Vasconcelos. Dá tempo pra se distrair com os comentários espirituosos da torcida pessoense – Joel, por exemplo, é conhecido como “o bicho do buchão”. O pessoal perde a calma quando LF erra um chute:

“Sai daí, rapaz, você é um merda!”.

Aí Alessandro resolve trocar de ferradura, digo, de chuteira e pega logo a de Fahel. Risadas quando ele perde a bola. “É a chuteira de Fahel, tira isso!”.

O Botafogo se arrasta para o fim do primeiro tempo quando surge a falta, cobrada com perfeição por Marcelo Cordeiro. 

GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLL!!!!!!!!!!!

Na vibração, todos pulam, batem palma, fazem festa. Close em Marcelo Cordeiro, que quase é abraçado pelos torcedores mais próximos do telão. Nunca a tevê esteve tão perto de ser 3D.

Intervalo e vamos ao bingo. 

Entre os prêmios, uma cerveja gelada. E Ricão aproveita para anunciar que ainda há quatro vagas no ônibus da excursão que levará os alvinegros de João Pessoa para ver, em Fortaleza, Ceará x Botafogo. Para os torcedores do Rio que reclamam que o Engenhão é longe, vale ressaltar que são quase 700km de estrada até o Castelão. Isso é que é amor, amigo.

Vai começar o 2o tempo, mas dá tempo de mais um aviso: “Aqui no Ricão a cerveja só vai aumentar no Campeonato Carioca!”. Todos comemoram.

O milho utilizado no bingo vira artilharia. E, logo quando eu me preparava para jogar uma mão cheia no Lucio Flavio, vem o aviso do dono da casa: “Não joguem milho para não machucar as pessoas”. Tenho que conter meus instintos primitivos.

 Marcelo Cordeiro sai machucado, alguém já grita: “Seis meses sem jogar”.  O time joga mal e, novamente, o locutor LCJr. resolve lembrar o retrospecto de empates. Na hora, toma o troco: “Cala boca, fresco!”. 14 minutos do segundo tempo, e predomina o silêncio – só se ouve o barulho do isopor da cerveja. Os murmúrios começam a virar comentários em voz alta: “O time parou de jogar”, “Tomar pressão do Vitória não existe!” e outros impublicáveis.

Aplausos para a entrada de Cajá no lugar de LFlavio e mãos na cabeça na hora da substituição de Jobson por Fahel.

32 minutos no cronômetro. “Ô momento perigoso!”, alguém comenta. O tempo não passa e a tensão aumenta. Meu vizinho de mesa, já plenamente desperto, descarrega no isqueiro todo o nosso nervosismo.

Risadas só quando Somália enfrenta seu marcador e manda ele ficar quietinho. Quase todo mundo repete o que o alvinegro falou para o vitoriano:

“Aqui, não! Aqui, não, Aqui, não!” 

  Falta para o Vitória nos últimos minutos. Bem nordestinamente, um dos jovens da torcida define o momento do jogo: “Mas que aperreio!”. A bola não entra e aí surgem os primeiros gritos de “Fogo, olê, olê, olê…” que vão se repetindo, como um mantra da positividade, para fazer o cronômetro acelerar e terminar a partida. A estratégia dá certo e a partida, enfim, termina.

Abraços, palmas, batuque na mesa e nas paredes. O Ricão (a figuraça da foto aí de baixo) pega o microfone, convida para a próxima partida contra o Atlético-MG e dá um último aviso: “Acabamos de completar o ônibus para Fortaleza!”.

Eu, que era um estranho no início da partida, sou comemorado a partir do momento que alguém lembra a coincidência do meu nome e do nome do autor do gol solitário:

“Marcelo veio aqui e Marcelo fez o gol! Rapaz, tu é um pé-quente do car*lho!!!”

Não sei se sou pé-quente, mas tenho certeza de uma coisa: foi graças à vibração incessante e apaixonada daquele grupo de botafoguenses, a mais de 2mil km do Engenhão, que o Botafogo ganhou a partida.

Agradeça a cada um deles em Fortaleza, Joel.

PS: Essa crônica só foi possível graças aos esforços operacionais, institucionais, rodoviários, alimentícios e logísticos do Pereirão, que rodou 700km num só dia mas ainda chegou a tempo de me proporcionar esse encontro com a torcida botafoguense em João Pessoa. Valeu, Pereirão!

Acréscimo de sexta-feira: A CBF alterou a data do jogo em Fortaleza e passou de domingo para quarta-feira o confronto contra o Ceará, tornando muito mais difícil a presença de botafoguenses de outros estados. Alô, torcida do Ricão! O ônibus seguirá lotado mesmo assim?

9 Respostas para ““Mas que aperreio!”: Um jogo no Ricão

  1. excelente. em jp, eu so conheco a picanha do bastinho, o cenario é semelhante ao descrito no post, mas recebe ha diversidade entre torcedores. fica pertinho da tito silva, mas do outro lado da epitacio.
    agora, aperreio mesmo é o bau atéééééé fortal…
    abs

  2. Marcelo, você que fez chover 180 mm numa só noite em Caicó no RN – fato que em final de outubro nunca houve na história desse país, foi o homem do gol do Fogão. Foi pé-quente do sertão ao litoral.
    Eu apenas cumpri a minha parte.
    Volte sempre, homem de Deus!

  3. Eu moro no Rio e minha esposa é Paraibana, todas as vezes que eu fui à Paraíba eu encontrei dezenas de Pessoas com a camisa alvi-negra, a primeira vez foi em 1999 durante a copa do Brasil. No jogo contra o Palmeiras, que ganhamos nos penaltis, eu estava em um bar que deveria ter pelo menos 50 botafoguenses e uma meia dúzia de palmeirenses e alguns flamerdistas e vascaínos. Juro pra vocês que todas as vezes que fui a Paraíba nunca ví ninguém com a camisa dos tricoletes, porém nessas pesquisa de torcida eles aparecem com mais torcedores que a gente, como pode?
    Saudações Alvi-negras.
    Ari Dias.

  4. Muito legal as fotos. E vamos pra cima por que não tem nada decidido ainda. Fora, fogão!

  5. Marcelo e amigos,
    Conheço bem o Ricão pois já participei em J. Pessoa de dois eventos denominados “Feijão do Fogão-JP”. Ele é realmente uma figura especial.
    Daqui de São Paulo vai o meu abraço a ele. Aqui este ano estamos invictos:
    2X1 no S.Paulo, 2X2 Palmeiras, 3X1 no Santos, 1X1 com o Corinthians e 1X1 com o Guarani.
    Como se fala no dialeto “paulistês”: Aqui, é nois mano!!!
    E.Sales

  6. É isso aí! Em João Pessoa tem uma torcida super apaixonada pelo Fogão 🙂 nesse ano provamos isso com o sucesso do Feijão no Fogão o/ Por amor ao Botafogo!!!

  7. Isso só aumenta a minha responsabilidade e a de todos os botafoguenses daqui de Fortaleza. Uma grande festa será armada, apoio ao Botafogo não irá faltar e diremos em alto e bom som o nosso amor pelo Glorioso.

    Abraço.

  8. Bela crônica! Texto enxuto, engraçado e espirituoso! Parecia que eu estava lá, em João Pessoa – terra de gente boa! – e vendo o jogo no Ricão!

    Parabéns!

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